A cabra

Estava chegando a época da Festa da Cabra. Então foi divulgado em todos os projetos da Bem Estar do Menor que haveria um concurso de redação, música e poesia sobre a cabra. Eu não tinha uma cabra em casa, como muitos dos meus colegas tinham. Mas já havia conhecido o capril do sítio Betel e tomava leite de cabra quase todos os dias na creche. Então decidi participar do concurso com uma redação.

No dia da festa, fui para a praça assistir à entrega dos prêmios. Começaram a chamar os ganhadores e, de repente, ouvi: Maria Bernadete Ribeiro. Empolgada, subi ao palco para receber minha medalha pela redação que fizera. Essa era a primeira de três vitórias que eu conquistaria em concursos de redação promovidos na Festa da Cabra.

O ano era 1981. Acabávamos de nos mudar de Graipu (zona rural) para a cidade de Sabinópolis, município mineiro a 273 quilômetros de Belo Horizonte, cuja população é de aproximadamente 17 mil habitantes. Eu tinha seis anos e achava toda aquela novidade muito agradável e, ao mesmo tempo, ruim. Já não podia subir nas laranjeiras, apanhar jambos com um bambu nem roubar os marmelos que minha avó esperava ficarem maduros para fazer doce. Minha mãe saía bem cedo para trabalhar em casas de famílias, enquanto eu e meus irmãos ficávamos em casa sozinhos, e só voltava quando já era quase noite.

Pouco tempo depois, fomos admitidos na creche da Bem Estar do Menor, instituição ligada à Igreja Evangélica Missionária Pentecostal, que desenvolve projetos sociais em Sabinópolis e regiões circunvizinhas. As primeiras semanas na creche foram difíceis, pois tudo nos era estranho. Mas logo nos acostumamos e passamos a gostar daquele ambiente que mudaria nossas vidas para sempre. Foi lá que aprendi a bordar ponto de cruz e, depois, fazer tapetes para vender. Foi lá também que, pela primeira, ouvi sobre Jesus.

Quando completei 10 anos, ganhei do Janer Fernando de Pinho, médico veterinário da Bem Estar do Menor, minha primeira Bíblia. Minha conversão a Jesus aconteceria no ano seguinte.

Em 1985, concluí a quarta série do Ensino Fundamental, fui desligada da creche e admitida em um projeto especial para adolescentes. Nesse projeto, o participante ajudava em algum setor da instituição, era avaliado mensalmente e recebia uma pequena gratificação para ajudar nos gastos escolares. Quando eu cursava a sétima série, comecei a descobrir que gostava muito de língua portuguesa e pensei em estudar letras. Mas ao mesmo tempo achava isso impossível. Como eu poderia concorrer com pessoas que haviam estudado em escolas melhores e ainda faziam cursinhos pré-vestibulares? O sonho do curso superior adormeceu.

O tempo foi passando. Em 1993, quando eu cursava o último ano de magistério, fui admitida na BEM como funcionária, ou melhor, “colaboradora”, depois de ser office-girl e auxiliar de monitor. Gostava do meu trabalho, mas dois anos depois o velho sonho de estudar letras voltou com força. Eu sabia que a chance de aprovação no vestibular era mínima, pois não tinha como pagar um cursinho pré-vestibular. Mas sabia também que, se Deus quisesse me dar esse presente, nada o poderia impedir de fazê-lo. Então decidi estudar em casa para, no final do ano, submeter-me às provas.

De repente, minha mãe foi atropelada por um carro e ficou sem poder andar durante um tempo. Tudo se complicou. Eu tinha de trabalhar fora, cuidar da casa, dos meus irmãos e da minha mãe. Como estudar? Foram dias muito difíceis. Algum tempo depois do acidente, recebemos uma doação da Igreja Evangélica Missionária Pentecostal de Belo Horizonte e minha mãe pôde se submeter a um tratamento fisioterápico. Graças a Deus!

Enfim, chegou o vestibular. Eu já não estava tão entusiasmada, mas fiz as provas assim mesmo. Mais ou menos um mês e meio depois, como era hábito lá no meu local de trabalho, abri o jornal do dia para dar uma folheada. Inesperadamente, deparei-me com a lista de aprovados no vestibular/96 da Universidade Federal de Viçosa e li: Maria Bernadete Ribeiro. Foi uma euforia geral no escritório. É difícil expressar tanto a alegria que senti naquele momento como a indecisão que veio logo depois.

Eu tinha certeza de que não poderia perder essa oportunidade. Mas como me mudar de Sabinópolis, se, dentro de três meses, minha mãe passaria por mais uma cirurgia ortopédica e novamente precisaria muito de mim?

Foi neste momento que Deus usou a Denise e, novamente, o Janer para me incentivar. Foi ela quem fez contatos em Viçosa e praticamente me transferiu de Sabinópolis para cá, providenciando para mim uma mentora tão especial quanto ela mesma. Lembro-me bem destas palavras do Janer: “Bernadete, estou muito feliz por você. Vá e, se precisar de alguma coisa, me ligue”. Então fiz as malas e vim estudar em Viçosa, onde encontrei mais pessoas que amam ao Senhor de verdade e mostram esse amor servindo ao próximo.

 

Hoje, sou formada em letras e trabalho como revisora na Editora Ultimato. Sou casada com Mateus, que também foi assistido pela Bem Estar do Menor e hoje tem sua própria fonte de renda, com a prestação de serviços (assistência técnica para equipamentos a gás). Agradeço a Deus pelas oportunidades que me deu e pelas pessoas que despertou para me amar, me ensinar a viver e me ajudar a encontrar o caminho, que é Jesus.

Autor(a): Maria Bernadete Ribeiro