O vínculo mais importante na vida de todo ser humano é a família. A nossa compreensão judaico-cristã reforça esse conceito, pois chamamos Deus de pai, um pai adotivo.
O problema surge quando o nosso ideal de família se choca com a realidade de famílias de carne e osso que vivem em situações precárias. Não conseguimos vislumbrar outra saída senão “raptar” as crianças mais novas para que não cresçam naquele meio e reproduzam os males sociais que ora presenciamos.
Não é possível destituir todos os pais, mães, avôs, avós, tios e tias de seus papéis porque não aprovamos tudo o que fazem!
Precisamos nos converter à família. Trabalho sério, que tenha em vista não só o hoje, mas o futuro da criança como ser social, tem de se estruturar com o objetivo de fortalecer as famílias e de facilitar um estreitamento de laços da criança com a sua família de origem.
Esgotadas as possibilidades de reinserção familiar, temos o dever, a obrigação, de procurar na sociedade uma família substituta para a criança. Quanto mais tempo deixarmos correr, maior o distanciamento, maior o abandono, menores as chances de a criança chegar à juventude com vínculos fortes. O abrigo não pode ser o destino final, por mais confortável e bem estruturado que ele seja.
Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente está correto ao preconizar que entidades que desenvolvam programas de abrigo se firmem em nove princípios básicos. São eles:
1) a preservação dos vínculos familiares;
2) a integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem;
3) o atendimento personalizado e em pequenos grupos;
4) o desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
5) o não-desmembramento de grupos de irmãos;
6) evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;
7) a participação na vida da comunidade local;
8) a preparação gradativa para o desligamento;
9) a participação de pessoas da comunidade no processo educativo.
E o que fazer com as crianças que já se tornaram adolescentes sem que tanto a reinserção na família de origem quanto a inserção em uma família substituta tenham se tornado realidade? A psicóloga Isabelle Ludovico da Silva adverte:
É importante fazer uma radiografia das relações para identificar os recursos e as carências. É também importante reconstruir a história de cada um e resgatar os vínculos que foram abandonados no caminho. Ninguém pode se reconstruir sem raízes, por mais precárias que pareçam ser. Se a pessoa sobreviveu é porque alguém cuidou. Precisamos ajudá-la a enxergar o que recebeu em vez de focalizar apenas a falta.
O que a instituição pode e deve fazer:
1) combater a letargia, a morosidade do processo judiciário, para que cada criança por ela atendida tenha sua situação resolvida antes da puberdade;
2) criar estratégias eficazes para fortalecer a família dos atendidos e aumentar as chances de reinserção;
3) redobrar os esforços com adolescentes que não conseguiram integração familiar, por meio de um acompanhamento personalizado e a longo prazo.
Estrategicamente falando, a instituição precisa redobrar seus esforços no sentido de garantir que cada criança desenvolva vínculos fortes nessa “janela de oportunidades” que parece se fechar um pouco com a puberdade. Caso contrário, terá de enfrentar toda a problemática de cada criança que, ao chegar à adolescência, se vir só, mal ancorada, perdida num mundo imenso, complicado e ameaçador.