As crianças e o direito à integridade física

edicao15_p13Um provérbio africano diz que “para criar uma criança é necessário uma aldeia toda”. Para que Sarinha tenha sofrido dessa maneira, também foi necessária toda uma aldeia. Cada vez que uma criança é torturada assim, podemos dizer que a rede de proteção das crianças formada pelos adultos falhou.

A violência física não deve ser discutida apenas entre uma criança e um adulto. Estes fazem parte de uma família nuclear e de uma extensão da família; estão inseridos em uma comunidade, em um lugar e em uma época determinada.

Em cada um desses níveis sociais há crenças e circunstâncias que não costumam ser questionadas e que podem favorecer a existência e a permanência da violência física contra crianças.

Crenças mais comuns:
– “As crianças são propriedade dos pais.” A criança é vista como um objeto, e não  uma pessoa que tem o direito de ser bem tratada;
– “Os adultos tem o direito de bater nas crianças para educá-las.” O castigo físico é legitimado como uma forma de educação e confundido com os limites necessários para que uma criança cresça. O castigo físico nunca educa. Apenas humilha, gera rancor, destrói a capacidade de confiança e a auto-estima;
– “O espaço familiar é particular e ninguém tem direito de interferir nele.” Muitas pessoas que souberam que Sarinha estava sendo violentada tinham esta crença e escolheram não agir, por comodidade ou por falta de empatia.

Dentro das igrejas, podemos ver as desculpas baseadas em versículos bíblicos para justificar o mau-trato físico.

Algumas circunstâncias:
– A violência aceita como forma de resolver conflitos e o abuso de poder dos mais fortes sobre os mais fracos: um país forte sobre um fraco, uma raça sobre outra, um gênero sobre outro, o professor com os alunos, o pastor com a congregação etc;
– Falta de estruturas concretas de proteção dos mais fracos, tanto no nível comunitário quanto no governamental;

No caso da mãe de Sarinha, pela premeditação, gravidade e intenção das lesões, concluimos que ela tem uma personalidade desequilibrada e não tem um sistema moral, o que permite que ela humilhe e faça o outro sofrer, sem se sentir culpada.

Há casos, porém, em que o adulto não tem uma intenção inicial de provocar lesões, mas acaba “exagerando”.

Nenhuma dessas explicações justifica a violência física a uma criança. Os adultos devem ser responsabilizados por seus atos, ainda que em níveis diferentes, tanto quem praticou a tortura quanto quem falhou em proteger a criança.

Dra. Alicia também listou algumas características da pessoa que pratica violência doméstica contra crianças. O texto na íntegra está à sua disposição. Peça já!

 

Autor(a): Alicia Casas Gorgal, é doutora em medicina, especialista em psiquiatria, sexóloga clínica, terapeuta familiar sistêmica e terapeuta EMDR.