A Igreja numa sociedade injusta para com as crianças
Em Mateus 18.1-14, o Senhor Jesus, respondendo sobre quem seria o maior no reino dos céus, deu-nos informações sobre sua relação com as crianças que seria bom relembrarmos:
Comunicou que a criança simboliza o que há de melhor na humanidade. Aquilo que gostaria de ver reproduzido em todos.
Disse que se identifica com as crianças: “Quem receber uma criança, tal como esta, a mim me recebe” (v. 5).
Afirmou que o castigo para quem desviasse uma criança seria indescritível, sendo-lhe melhor ser assassinado (v. 6), e mais, para evitar incorrer nesse erro de fazer tropeçar um dos pequeninos valeria qualquer sacrifício (v. 7-9).
Falou que as crianças recebem um tratamento especial do Pai, pois os seus anjos estão sempre na presença dele. (v. 10) Por isso, vale qualquer ato heróico para salvá-las, tal como o do pastor que, por causa de uma única ovelha, deixa nos montes as outras 99 e sai em busca da perdida – o que, convenhamos, é uma loucura.
Adverti que o Pai não quer que nenhum só dos pequeninos se perca (v. 14).
E daí?
Imaginemos o Senhor Jesus em São Paulo, por exemplo, na Praça da Sé. Poderia o Senhor pegar uma das crianças que perambulam por aquela praça e, colocando-a no meio da roda formada por seus questionadores, apresentá-la como símbolo do que há de melhor na humanidade? Infelizmente não, pois a sociedade brasileira, pela injustiça social e discriminação, está descaracterizando as suas crianças, transformando-as no símbolo do que há de pior na natureza humana. De maneira que quem cruza com uma delas, em vez de afago, oferece desprezo, em vez de um abraço, oferece medo.
Mas serão essas crianças, ainda, os tais pequeninos de que fala o Salvador? São! São, justamente, os que foram levados a tropeçar; os que pela ganância de uma sociedade injusta foram desviados dos caminhos do Pai. E o mais grave disso tudo, é que esses pequeninos já não estão em condições de entender Deus por meio das características que lhe são mais caras.
Dizer-lhes que Deus é Pai tornou-se arriscado, uma vez que, para eles, “pai” é a figura de alguém que descontou neles toda a sua raiva.
Dizer-lhes que Deus é justo tornou-se um absurdo, pois todos os símbolos de justiça por eles conhecido trazem-lhes à lembrança tortura, dor e violência.
Dizer-lhes que Deus é “amor” tornou-se uma impossibilidade, pois desconhecem o significado dessa palavra — a não ser o vinculado às práticas sexuais pecaminosas. Ou seja, essas pobres crianças foram desviadas de Deus. A sociedade as fez tropeçar.
E a Igreja?
Certamente esta terá de compreender que diante da injustiça não há inocentes. Todos são culpados pelos pecados da sociedade: os que os cometeram e os que se omitiram. Mesmo os “Danieis” vão para o exílio. O nosso problema não é com o diabo, mas com o Deus justo, que se levanta contra toda perversidade. Só a intercessão da Igreja em favor da sociedade pode deter a mão de Deus. E mais, a Igreja tem de assumir o papel de profeta, denunciar o pecado estrutural e não apenas o individual, exigir o arrependimento por parte dos poderosos e constituir-se em canal de libertação das crianças. Caso contrário, nossa sociedade estará sempre sob risco iminente.
Autor: Ariovaldo Ramos, é pastor evangélico, presidente do ministério JEAME e mora em São Paulo, SP.