Como manter a perspectiva correta quando a realidade é esmagadora

“Deus, concede-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar, coragem para mudar as que eu posso, e sabedoria para distinguir umas das outras…”

Adriana*, 32, é mãe de seis. O mais novo nasceu estes dias e já convive com piolhos, bichos-de-pé, panos (escassos) que o envolvem, mas também o contaminam, e os odores onipresentes de fezes e urina provenientes de uma latrina improvisada no cômodo ao lado ao que sua mãe, seu pai e seus cinco irmãos vivem.

Adriana é resistente. Isso, por um lado, garante sua sobrevivência. Por outro, impede que viva uma vida melhor. O remédio para controlar sua epilepsia é tomado irregularmente. E, a cada ataque epiléptico, há risco de tragédia, uma vez que usa fogão a lenha e velas para iluminar suas noites. A administração de remédios para os filhos é sempre interrompida porque, segundo ela, “médico só sabe receitar dois remédios: antibiótico e sulfato ferroso”. Infecções de pele como impetigo se perpetuam nas crianças. O marido alterna entre períodos de sobriedade e alcoolismo. Emprego, só de vez em quando.

Vendo a realidade de Adriana, dá vontade de gritar… ou chorar!

Agentes sociais cristãos vivem um desafio comum: o de conviver com realidades esmagadoras e com a tensão entre o querer e o poder transformar estas realidades. Corremos dois riscos diametralmente opostos: o do fatalismo cínico e o do complexo de salvador. Podemos perder a nossa sensibilidade frente ao sofrimento humano ou nos tornarmos tão sensíveis que facilmente desenvolveremos relações doentias, marcadas pela culpa e manipulação, com aqueles a quem buscamos ajudar.

A disciplina espiritual que mais nos ajuda a manter a perspectiva correta é a disciplina da oração. Não a oração “lista de pedidos”, mas a oração de renúncia, entrega e submissão. Renunciamos a vontade de controlar pessoas e situações. Devolvemos o problema para Deus – afinal Ele é capaz e nós somos meramente capacitados. Finalmente, nos submetemos às orientações específicas de Deus para cada caso. Por meio da oração, nos lembramos que é Ele o maior interessado na salvação e transformação desta ou daquela pessoa. Ele as ama mais do que nós.

Deus segura as cordas da história. Ele foi, é, e sempre será. Um dia julgará os povos com eqüidade. Justiça será feita. Ele estabelecerá uma nova ordem onde reinará o amor. Nossa tendência é esquecer de tudo isso.

O autor da oração acima, parcialmente transcrita, mostra que entendia bem da necessidade de renúncia, entrega e submissão. Veja o restante de sua oração:

“… vivendo um dia de cada vez, desfrutando cada momento por sua vez, aceitando a dificuldade como o caminho da paz. Encarando, como Ele o fez, este mundo pecaminoso como é, não como eu gostaria que fosse. Confiando que Ele endireitará todas as coisas se eu me submeter à sua vontade. Que eu possa ser razoavelmente feliz nesta vida e infinitamente feliz com Ele eternamente na vida por vir. Amém.”

O pastor americano Reinhold Niebuhr (1892-1971) escreveu a oração da serenidade como uma finalização de seus sermões, quando trabalhava como ministro da Igreja Evangélica Betel, em Detroit, Michigan, nos Estados Unidos. Niebuhr tornou-se uma voz profética, denunciando os mandos e desmandos da indústria automobilística contra a classe trabalhadora na década de 20. Esta oração foi posteriormente publicada em um obituário e acabou chegando nas mãos de Bill W., fundador dos Alcoólicos Anônimos. Os membros do AA se identificaram tanto com a oração que fizeram dela o seu lema.

* Nome fictício.