Como melhorar a segurança das crianças nas organizações (1)

edicao16_p8O lugar menos seguro para uma criança é ao lado de alguém mal intencionado. Os aspectos físicos de segurança são importantes. Fios elétricos desencapados, janelas mal protegidas, vazamentos de gás, comida estragada, precisam ser resolvidos. No entanto, o que mais ameaça a segurança das crianças nas igrejas, escolas e projetos sociais são pessoas mal intencionadas que aproveitando a liberdade existente nesses lugares, se aproximam delas com desejos impuros.
Às vezes, pessoas designadas para cuidar, como professores, funcionários de creches, pessoas envolvidas na educação infantil nas igrejas, abusam de ou maltratam crianças. Mas o abusador não tem um sinal na testa. Não existe um único perfil para as pessoas que cometem abusos, e seus motivos são muito variados.
Segundo a Organização de Saúde Mundial, abuso infantil e maus-tratos são todas as formas de maus-tratos físicos ou emocionais, abuso sexual, abandono ou negligência, exploração comercial — resultando em danos à saúde, à sobrevivência, ao desenvolvimento ou à dignidade da criança no contexto de um relacionamento de responsabilidade, confiança e poder.

Que ameaça as instituições têm mais dificuldade de enfrentar?

É mais fácil para uma comunidade admitir que acontecem abusos físicos e emocionais do que reconhecer o abuso sexual que muitas vezes não é discutido devido ao tabu que envolve esse assunto. Christina Sand descreve a lei do silêncio da seguinte forma: “Ignorância é uma maravilha… mas está ‘matando’ os recursos mais preciosos da sociedade — suas crianças. Satanás usa nossa ignorância como vantagem enquanto ele sufoca a inocência de milhares de crianças, machucando-as por meio do abuso. Medo, a raiz de nossa ignorância, é a arma que ele usa para nos silenciar e nos fazer acreditar que se nós não falarmos sobre o assunto, o problema irá embora”.²
O abuso sexual refere-se a toda atividade sexual, incluindo toques inapropriados, a qual a criança não entenda ou seja incapaz de autorizar e consentir.
Finkelhor³ é um especialista nesse assunto. Ele explica que os termos abuso sexual e molestação infantil referem-se ao ato, enquanto pedofilia é essencialmente o estado em que se encontra a pessoa disposta a usar uma criança para satisfazer seus desejos sexuais.
A pedofilia está presente quando um adulto tem interesse sexual por uma criança. Podemos inferir que uma pessoa tem esse problema quando ela tem algum contato sexual com a criança (toca-a ou exige que ela o toque de forma sensual) ou usa fantasias que envolvem a imagem da criança para se masturbar.

Como identificar um possível agressor?

Há algumas informações que precisamos saber sobre o abuso sexual infantil:
– Não existe um perfil dos abusadores.
– A maioria dos ofensores sexuais de crianças são homens, mas há casos em que mulheres desenvolvem o problema também.
– Sexo com crianças tem mais a ver com poder e controle, do que com sexo propriamente.
– O pedófilo ou o abusador sexual podem parecer pessoas muito atenciosas e talentosas. Podem parecer excelentes candidatos com vasta experiência.
– Eles podem parecer ótimos trabalhadores que se relacionam muito bem com crianças.
– Eles frequentemente buscam contato com a criança tanto durante o trabalho como fora do trabalho.
– É possível que eles tenham poucas habilidades sociais, no entanto se relacionam melhor com crianças do que com adultos.
– Poucos pedófilos têm registro criminal. Apenas três por cento dos ofensores chegam a ser julgados e condenados. A probabilidade de um pedófilo repetir o crime é muito alta.
– Eles geralmente escolhem uma idade e gênero (menina ou menino) de preferência.
– Eles muitas vezes escolhem crianças vulneráveis.
– Não existe teste para detectar pedófilos. Precisamos estar alertas a padrões de comportamentos.
– Fotos de crianças e pornografia infantil são indicadores importantes. A enorme oferta de fotos na internet mostra que crianças estão sofrendo repetidamente.
– Não é crime ser pedófilo — o ato sim, é crime. Uma pessoa pedófila não pode trabalhar com crianças. Não se deve dar oportunidade à tentação.
– Pedófilos não são as únicas pessoas que precisam ser retiradas do convívio com as crianças. Aquele que busca se valer das crianças para satisfazer seus próprios interesses, para obter lucro, e cujo comportamento é agressivo, negligente, ou manipulador, não pode estar perto de crianças!

Como criar uma política de proteção para as crianças da sua organização?

A tarefa não é simples e exige tempo, esforço e compromisso, especialmente por parte da direção. O primeiro passo é desenvolver normas internas de proteção, uma espécie de código de conduta a ser seguido por todos. Vamos chamar esse documento de Normas Internas de Proteção à Criança (NIPC). O NIPC tem como alvo reduzir o risco de abuso à criança por qualquer pessoa associada à organização. Tais normas também demonstram à comunidade local o compromisso que a organização tem em proteger as crianças. É muito importante divulgá-las para toda a comunidade porque outros podem ser encorajados a fazer o mesmo. Por fim, não podemos esquecer que uma única ênfase ou ação não garantirá a segurança das crianças porque o problema é complexo.

O que deve ser incluído nas Normas Internas de Proteção à Criança?

A lista a seguir apresenta sugestões de itens para o NIPC.
1. Declaração de compromisso. Declara por que a organização está preocupada com a proteção das crianças.
2. Comunicação externa. Declara o compromisso de se quebrar a lei do silêncio e estabelece o método escolhido pela organização para tratar do assunto na comunidade.
3. Normas de conduta dos funcionários, voluntários e visitantes da organização. Expressa claramente as expectativas com relação a interação com as crianças.
4. Normas de procedimentos com os parceiros do projeto. Estabelece que tipo de parceria é aceitável do ponto de vista da segurança da criança.
5. Procedimentos de contratação de novos funcionários. Estabelece procedimentos que reduzirão o risco de se contratar pessoas mal intencionadas.
6. Resposta a denúncias. Estabelece as providências que a organização tomará diante de uma denúncia.
7. Defesa de direitos. Estabelece as ações com as quais a organização se envolverá, em parceria com outras, para fortalecer o trabalho de luta contra o abuso e maus-tratos infantil.
8. Confidencialidade. Estabelece o método que a organização usará para obter, registrar e compartilhar informações sobre situações ou incidentes de abuso infantil de forma que essas informações sirvam para punir o agressor sem, contudo, prejudicar a criança.
segundo passo para se estabelecer uma política de proteção da criança, é fazer com que esse manual (NIPC) se torne acessível a todos. Para tanto, é preciso que ele seja escrito em linguagem simples e que se façam várias cópias. A organização precisa trabalhar para que todos se tornem conhecedores do seu conteúdo. Realizar inclusive, se preciso, treinamentos internos envolvendo todos.
Escrever com clareza um manual de proteção à criança pode parecer uma tarefa pesada e por isso deve ser executada em equipe. É melhor começar por um plano de trabalho detalhado. Identifique a pessoa responsável por cada componente e um prazo de entrega realista. Comece com uma análise do abuso infantil em seu país ou ambiente local. Isso ajudará na estrutura da sua política. É muito importante a conscientização em sua organização sobre o assunto, para que todos compartilhem esse compromisso.
terceiro passo é fazer valer tudo o que foi determinado no NIPC!
Lembre-se sempre de que a sua meta é criar um ambiente seguro para as crianças e não colocá-las diante de mais uma armadilha. Uma política de proteção da criança em sua organização é uma grande contribuição para alcançar esse objetivo.

Notas 
1 – Artigo baseado no capítulo 30 do livro Celebrating Children, de Heather MacLeod.
2 – Sands, C. Learning to Trust Again. Grand Rapids: Discovery House Publishers, 1999.
3 – Finkelhor, D. et al. A Sourcebook on Child Sexual Abuse. Beverly Hills: Sage Publications, 1986.

Queridos da revista Mãos Dadas, *

Saudações no nome do Senhor. Eu estou tão chocado com os acontecimentos aqui na minha congregação que não sei nem como começar.

Bem, além de pedir suas orações, gostaria de saber se conhecem algum lugar para onde eu posso encaminhar a irmã Lúcia. Ela trabalhou oito anos em um abrigo sustentado por nossa igreja e é excelente em tudo o que faz. O problema é que esse abrigo, só para meninos, aceitou recentemente uma mocinha. Ela tem 15 anos. Essa mocinha e o marido da irmã Lúcia se envolveram emocionalmente ao ponto de ele fugir com ela. Não sabemos onde ele está. Imaginamos que talvez fosse uma boa idéia enviar Lúcia para algum curso de restauração ou reciclagem. Por favor, ficarei muito grato por qualquer informação que vocês possam me oferecer.

Em Cristo,

Pr. Cláudio

 

Querida equipe de Mãos Dadas: *

Orem por nós. Ontem a coordenadora de uma de nossas creches me contou que sete meninas do projeto relataram que estavam sendo abusadas por um membro de nossa equipe.

Ele coopera no projeto fazendo manutenção, levando crianças à escola e ajudando o obreiro da congregação local. Seus dois filhos são atendidos pela creche e a esposa é educadora cristã na nossa igreja. Ela está grávida de gêmeos.

As meninas estavam muito rebeldes. A coordenadora chamou-as para uma conversa, para entender o que estava acontecendo. Uma delas contou que não queriam obedecer ao funcionário porque ele ficava “passando a mão nelas”. A partir daí, cerca de sete meninas foram contando histórias anteriores, acontecidas tanto no projeto, como na casa dele, quando as crianças iam brincar com os filhos dele. Às vezes ele as chamava em salas do projeto, fechava a porta e cometia o abuso: Toques no corpo, abraços, beijos, ofertas de dinheiro, pedidos de silêncio e ameaças.

Confrontamos o funcionário e o encaminhamos para a justiça local. Ele já está preso. O resto é com a lei. O pior ainda está por vir…

Em meio à tempestade,

Cíntia

 

Querida equipe de Mãos Dadas, *
Continuem intercedendo por nós.

Definitivamente o mais difícil é conversar com os pais e com as crianças.

Hoje convocamos os pais das sete meninas. Comunicamos os fatos e choramos com eles. Fiquei muito chocada com a frieza de alguns deles, que agiam como se as crianças tivessem alguma parcela de culpa no ocorrido. Eles têm de fazer a denúncia na delegacia, mas vários deles não querem ir!

Precisamos de ajuda principalmente para sabermos como ajudar as meninas. Não temos psicólogo na missão e estamos longe de um grande centro. Temos uma boa equipe, mas precisamos saber o que fazer e o que falar com as meninas para amenizar o que sofreram e o que ainda terão de viver com os depoimentos na delegacia.

Porque não pudemos evitar o ocorrido? Por que não sabemos lidar com temas como esse de uma forma mais preventiva?

Participem conosco do nosso sofrimento.

Cíntia

* As cartas são baseadas em fatos reais, mas os nomes são fictícios.