Fábio passara a noite inteira chorando, sentindo um desejo enorme de ter uma família. No dia seguinte, sem que soubéssemos disso, conversamos com ele e o convidamos para ser nosso filho
A pergunta que precisa ser feita a todo adolescente prestes a completar 18 anos (e, portanto, prestes a ser “desligado” das casas lares espalhadas pelo Brasil) é: “Se você estivesse numa fria hoje e precisasse recorrer a alguém, há algum adulto em quem você possa confiar?” Se a resposta for “não”, cabe a nós responder o seguinte: “Por que, depois de tantos anos sob nosso cuidado, esse adolescente ainda não conseguiu estabelecer um vínculo seguro e duradouro com um adulto que lhe inspire confiança?”
Não é justo esperar que um adolescente vulnerável e solitário se integre à sociedade, amadureça, estabeleça laços afetivos e duradouros, se torne um cidadão responsável e feliz e que faça tudo isto em uma “carreira solo”! Se um vínculo afetivo com uma pessoa mais velha e experiente não foi estabelecido, há algo errado.
Pedimos a opinião de Clenir a esse respeito. Você também é nosso convidado para contribuir com este debate por carta ou e-mail à redação.
“Um ano depois que os primeiros três adolescentes do nosso projeto completaram 18 anos, eles passaram por uma crise espiritual profunda. Haviam alugado um apartamento, estudavam e trabalhavam. Mas, quando a crise chegou, perderam todas as suas conquistas: ficaram desempregados, abandonaram seus estudos e, em pouco tempo, se sentiram perdidos novamente. Dois deles, envergonhados, resolveram voltar ao vínculo familiar do passado. Era a pior solução para ambos. No entanto, desempregados, eles só vislumbravam essa opção.
Isso nos desiludiu. Como poderíamos pensar que, depois de anos trabalhando com esses rapazes, ajudando-os a sair do meio do tráfico e das ruas, agora, quando em necessidade, eles só pensavam em recorrer às suas famílias de origem?
Deus nos mostrou que todas as crianças e adolescentes precisam de uma referência familiar positiva. Isso não é idéia nossa. Assim como Ele trata a cada um de nós que o recebemos como filhos nos recebe e nos ama, nos oferece uma nova identidade de filhos e membros de sua família e registra o nosso nome no Livro da Vida. – do mesmo modo Ele deseja que façamos com cada uma das crianças que estão sem família.
O terceiro rapaz daquele apartamento chama-se Fábio. Como era órfão, não pensou em voltar para a vida anterior. Sentia-se completamente perdido. Nós o conhecíamos havia nove anos. No início, achamos estranho adotar um rapaz de 19 anos. Havíamos acompanhado seu desenvolvimento, suas vitórias e conquistas, mas não atinávamos para o fato de que precisava de uma família. Pensávamos até que ele achasse difícil se tornar nosso filho. Só que Deus pensava diferente.
Fábio passara a noite inteira chorando, sentindo um desejo enorme de ter uma família. No dia seguinte, sem que soubéssemos disto, conversamos com ele e o convidamos a ser nosso filho. Ele interpretou tudo da maneira certa: aceitou os fatos como um recado de Deus, baseado em sua soberania e profundo amor. A adoção aconteceu de uma forma natural.
Nossa visão mudou. Deus quer que nos disponhamos a buscar crentes em Jesus que sintam o chamado de abrir suas vidas de forma ainda maior, recebendo uma criança e dando a ela aquilo que Deus quer lhe dar, aquilo que Deus já nos deu: adoção plena e amor incondicional.
Autor(a): Clenir T. Xavier dos Santos, é diretora do PROMAI (Projeto Memorial de Amor à Infância), da Igreja Batista Memorial da Tijuca, no Rio de Janeiro, e coordenadora do Projeto Calçada no Brasil, da Missão SGM.