Pela presença do Estado

edicao18_p13O assassinato de crianças entre populações indígenas é uma difícil questão que merece atenção da sociedade e do Estado. Os que a defendem como uma prática “cultural” se respaldam na Constituição (Art. 231); mas não podemos esquecer que o direito à vida ultrapassa todos os outros, sendo cláusula pétrea de qualquer legislação em uma democracia.

O reconhecimento na Constituição da autonomia dos indígenas é uma vitória. Porém, esse direito à autonomia não pode suplantar o direito à vida. A autonomia dos cidadãos é restrita pela legislação e o mesmo deve valer para os indígenas. O problema é que há, no país, uma lógica de que índios sejam inimputáveis e que, em nome do politicamente correto, a legislação não chegue às aldeias. O que se esquece é que o Estatuto do Índio ainda está em vigor, de maneira que a tutela indígena pelo Estado continua a existir juridicamente. Assim, o Estado não apenas pode como deve intervir em questões como o infanticídio.

Tal intervenção deve levar em conta a cultura da comunidade indígena em questão, para causar o menor impacto possível. A cultura é, por definição, dinâmica. Dessa forma, há espaço para negociação na aldeia, junto às lideranças. Ação que se distancia de uma mera e dura intervenção. Deve ser estabelecido um processo de diálogo em que o Estado assuma esse papel de negociador. Duas instituições devem ser chamadas à responsabilidade: a FUNAI, como tutora legal, e a FUNASA, já que a questão diz respeito à saúde indígena. Ambas podem chegar às aldeias e conversar com os indígenas a fim de estabelecer, a partir da visão de mundo daquelas sociedades, saídas para a questão.

 

Autores: Alexandre Brasil, professor de sociologia (NUTES/UFRJ). E Estevão Fernandes, antropólogo (ENSP/Fiocruz).