Pensar sobre a criança: retomando a tarefa

Falamos pouco
O resultado de uma enquete feita com pastores e pastoras sugere que falamos pouco sobre a criança nos púlpitos de nossas igrejas. Mãos Dadas perguntou: “Nos últimos dois anos, quantas pregações você fez sobre a criança?”. Quase a metade deles respondeu entre 0 a 2 vezes.* Alguns acrescentaram comentários do tipo “Socorro!” Identificamos também poucos que falam muito: 80, 96, mais de 100 vezes! É que estes têm como ministério específico o trabalho com crianças.

Alguns justificaram que não pregaram sobre a criança porque não têm um ministério voltado para este público, sugerindo uma certa especialização no meio pastoral. É o caso do pastor que declara: “Trabalho com ensino teológico e pastorado. Faço raríssimos sermões sobre as crianças, porquanto meu ministério é mais docente e teológico. Há muita dificuldade em me expressar sobre assuntos não-teológicos. Há, de fato, um preparo muito mais preocupado com a vida acerca de Deus e seu reino, do que um preparo para com as pessoas que fazem parte deste reino”.

Será que isso é bom? Será que criança é assunto reservado apenas para quem trabalha com ela? Será que criança é um assunto “não-teológico”?

Descobrimos também desabafos valiosos como o de uma pastora que reclama a falta de atenção no preparo para o trabalho com crianças nos seminários e diz: “Quando os missionários chegam no campo estão preparados para trabalhar com adultos, mas a igreja quase sempre começa com crianças”.

A maioria dos comentários recebidos reflete uma tendência entre nossos líderes: ver a criança pelo que ela precisa, pelo que é necessário fazer para ela, o cuidado, o evangelismo, o discipulado para uma vida adulta bem-aventurada.

E por fim, duas pessoas indicaram que estão pensando sobre o papel da criança no reino de Deus e se preocupam com a pergunta: “O que Jesus queria dizer com ‘delas é o reino’?”.

Fazemos pouco também
Especialmente pela criança e adolescente que vive em situações de risco social. Infelizmente, elas são muitas. Por exemplo, há quase 4 milhões de crianças de 0 a 6 anos nos dois maiores centros urbanos do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Destas, mais de 1 milhão vivem na pobreza extrema.**

Mas nossas igrejas não estão preparadas para acolhê-las. De acordo com pesquisa feita pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) em 2005, a pedido da Compassion do Brasil, de 843 igrejas em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Campinas, apenas 218 (26%) tinham trabalho social voltado para as crianças.

Pensamos pouco
Talvez o não falar e o não agir estejam relacionados ao não pensar. Pensar com os olhos da fé, ver e prever o que Deus já nos revelou e vai nos revelando à medida que ele avança o seu reino sobre a terra.

O teólogo e pastor Ariovaldo Ramos concorda que é preciso pensar mais: “Tínhamos de ter a coragem de elaborar uma nova tese sobre a criança. Talvez toda a força da criança esteja justamente no que nós chamamos de fragilidade; na capacidade que ela tem de perdoar fácil, de chorar quando sente dor, de sair correndo atrás da mãe quando leva um tombo, de reconhecer a sua fraqueza, reconhecer o seu medo, reconhecer que tem medo do que não entende, que precisa de ajuda e proteção. Por séculos isto tem sido entendido como fraqueza. Tínhamos de resgatar isto e dizer, aqui está a força”.

O que Deus tinha em mente quando criou a infância? Que parte do seu reino ele reserva para elas? Por quê? O que temos a aprender com elas? Isto é fazer teologia.

* Pergunta enviada por e-mail a aproximadamente 1.500 pastores e pastoras, assinantes da Revista Ultimato. Recebemos 92 respostas.
** Pesquisa Educação da Primeira Infância, da Fundação Getúlio Vargas (2005), baseada em dados do IBGE.