Por que se importar? Porque são muitas e estão sofrendo

Por que nossa sociedade não desperta para perceber o monstro que ela está criando e que vai atacá-la em um futuro muito próximo? Se não houver uma atenção muito especial do governo e das instituições privadas, com a ajuda da sociedade em geral, teremos milhões de delinqüentes terríveis em poucos anos. Estou falando de milhões de crianças e adolescentes que estão nas ruas. Será que elas nascem com algum defeito que as torna pessoas incuráveis? Nada disso. É a maneira como são tratadas que abre as portas para que entrem no mundo do crime. Parece que não queremos nos aperceber desses fatos.

Barril de pólvora
Basta observar nossas estatísticas para percebermos que estamos montando um barril de pólvora, que poderá explodir a qualquer momento. Quarenta por cento da população brasileira vive na pobreza. Cerca de 300 mil crianças morrem de fome anualmente no Brasil. Setenta por cento dos brasileiros já moram nas cidades. A extrema precariedade de moradias atinge 12 milhões de famílias, o que equivale a duas Argentinas. Milhões de crianças e adolescentes vivem em favelas.
Em meio a tudo isso, um número considerável de crianças e adolescentes faz parte dos 47 milhões de pessoas de nossa população que vivem em condições subumanas, em que 15 milhões sofrem de desnutrição crônica. Aproximadamente 8 milhões de crianças e adolescentes estão abandonados ou são órfãos desassistidos, algumas vezes de pais vivos. Milhares estão confinados em internatos-prisões e 500 mil meninas se prostituem.

Elas não estão longe
Bem, eu e você os vemos aqui e ali. Às vezes nos semáforos, esmolando ou vendendo alguma coisa, pedindo um pouco de alimento do cliente da pizzaria ou lanchonete. As que estão presas e aquelas que vivem em situações muito precárias, nós nem as vemos…
Como é a mente dessa criança? O que imagina quando vê uma bolsa dependurada no braço daquela senhora menos atenta? Qual a sua filosofia? “Nada é meu, mas posso desfrutar de tudo que estiver ao meu alcance”. Isto é, como não têm direito a nada, tudo o que estiver ao alcance de suas mãos é seu. Pode ser a bolsa, o tênis, a carteira, o anel, o colar, tudo. Será que resolve simplesmente chamá-la de marginal, ladrão, delinqüente e enviá-la para a FEBEM?
Pior! Estão se tornando homens e mulheres com essa mentalidade. Se conseguirem escapar da morte (e é bom lembrar que de 1988 a 1990 ocorreram 4.611 assassinatos de menores de 17 anos, ou seja, quatro assassinatos por dia), sim, se conseguirem escapar da morte, não terão dificuldades em arrombar, agredir, matar, estuprar, para tomar posse do que lhes foi negado a vida toda.

Há cura!
Devemos lembrar que estamos falando de um tipo especial de infância pobre. Sabemos que há muitas outras crianças pobres que têm pais, uma casa, comem uma ou duas refeições quentes por dia, vão à escola, e que, mesmo pobres, são ensinadas a respeitar, a lutar para vencer, a trabalhar para adquirir. É certo que entre estas também podem surgir marginais, como o há na classe média e alta. Mas nem se pode comparar com as crianças que aprendem com a mãe-rua. Que acabam interiorizando a filosofia das ruas.
A experiência que tenho é que uma criança dessas é perfeitamente recuperável. Não precisa mais do que três meses, e ela se torna outra pessoa. Posso levá-lo, leitor, a alguns lugares para ver crianças recuperadas. Você vai até duvidar de que elas tenham vindo de situações tão críticas. São pessoas totalmente normais e no caminho para uma vida nova.
Não é difícil fazer isso. É só querer.

(Artigo transcrito da revista Ultimato, novembro/1997, p. 24.)

Autor: Jonathan Ferreira dos Santos, é pastor e diretor-fundador da Associação Evangélica Beneficente Vale da Bênção, em São Paulo.