Senhor, dá-me uma estratégia!

Ela deixou o conforto da escola particular onde trabalhara por 8 anos para enfrentar a escola pública. Viria a se arrepender?

Aquelas duas quintas séries eram realmente um desafio para mim. Depois de tantos anos de experiência em sala de aula, me senti perdida. Não se tratava apenas de algum caso isolado de indisciplina ou de desinteresse. Havia uma revolta generalizada nas duas turmas. O nível de agressividade e falta de limites ultrapassava a minha capacidade. “Senhor”, orei, “me dê uma estratégia!” Depois de várias tentativas frustradas, consegui achar um caminho. E o caminho foi a arte.

Como professora de inglês, eu me preparava para levar um determinado conteúdo a eles, mas nada funcionava. Muitos alunos não traziam seus livros, ou, se traziam, não demonstravam qualquer interesse por eles. Resolvi então elaborar exercícios em vez de usar o livro. Esses exercícios continham desenhos e jogos que deveriam ser coloridos pelos alunos. Os exercícios só eram entregues no dia em que seriam trabalhados para criar uma expectativa. Trabalhei com vocábulos isolados, sem muita estruturação gramatical. Pouco a pouco, o interesse e a participação deles durante as aulas foi crescendo. O que mais me chamou a atenção foi que muitos alunos repetentes, portanto bem mais velhos, se interessavam por aqueles desenhos simples e me mostravam com satisfação como havia ficado sua produção artística.

A minha decisão pela rede pública, depois de trabalhar numa escola particular por 8 anos, foi difícil. Os desafios são imensos, mas tem sido compensador trabalhar com crianças para as quais a figura do professor tem uma dimensão muito maior, devido ao contexto difícil no qual muitas delas vivem. Felizmente, só aquelas duas turmas apresentaram um grau de indisciplina preocupante. Não tive qualquer problema com as demais séries e os alunos, em geral, são carinhosos e valorizam muito qualquer atividade diferente que é preparada para eles, como jogos, filmes ou música. A partir dessa experiência, pude tirar algumas lições que compartilho ao lado.

Há momentos em que temos de buscar alternativas diferentes das que estamos acostumados. Precisamos ter a convicção de que não há casos impossíveis — nós é que ainda não encontramos o caminho certo.

O professor tem de perceber em que nível o aluno está e ir ao encontro dele. Não adianta alimentar expectativas irreais e forçar os alunos a “engolirem” um conteúdo programático para o qual não estão preparados.

Algumas crianças e adolescentes com os quais trabalhei demonstraram um interesse genuíno por atividades lúdicas muito simples, que eu julgava desinteressantes para sua faixa etária. Concluí que talvez eles tenham uma carência nessa área; talvez as oportunidades de “aprender brincando” tenham sido poucas. Por isso é necessário explorarmos mais o prazer que se pode ter com o aprendizado.

Vale a pena não desistir diante de situações difíceis e desafiadoras, que podem ser exatamente o momento da criatividade, do descobrimento, do crescimento pessoal e profissional. Pode ser que não cheguemos aonde gostaríamos de chegar, mas será bom olhar para trás e ver que alguns passos foram dados, que avançamos, que não permanecemos na estaca zero.

Gostaria de falar particularmente aos educadores e educadoras cristãos, que encaram sua profissão como um ministério. Nosso trabalho não é vão. Talvez não sejamos nós os que colherão os frutos, mas certamente está em nossas mãos espalhar a semente. Que jamais se apague de nosso coração aquela inquietação que vem acompanhada do pensamento de que poderíamos ter feito melhor. É isso que nos impulsiona: esse descontentamento nos conduz a experimentar, recriar, repensar.

Daqui a alguns anos, algumas dessas crianças, já adultas, terão na lembrança alguma experiência dessa vivência conosco. Que essa lembrança seja de um sorriso, de um afago, de um encorajamento, talvez até de uma bronca, mas acompanhada de gratidão por termos participado de suas vidas. Se isso acontecer com um só desses pequeninos, tudo o mais que não tiver dado certo terá valido a pena.

1. Há momentos em que temos de buscar alternativas diferentes das que estamos acostumados. Precisamos ter a convicção de que não há casos impossíveis — nós é que ainda não encontramos o caminho certo.

2. O professor tem de perceber em que nível o aluno está e ir ao encontro dele. Não adianta alimentar expectativas irreais e forçar os alunos a “engolirem” um conteúdo programático para o qual não estão preparados.

3. Algumas crianças e adolescentes com os quais trabalhei demonstraram um interesse genuíno por atividades lúdicas muito simples, que eu julgava desinteressantes para sua faixa etária. Concluí que talvez eles tenham uma carência nessa área; talvez as oportunidades de “aprender brincando” tenham sido poucas. Por isso é necessário explorarmos mais o prazer que se pode ter com o aprendizado.

4. Vale a pena não desistir diante de situações difíceis e desafiadoras, que podem ser exatamente o momento da criatividade, do descobrimento, do crescimento pessoal e profissional. Pode ser que não cheguemos aonde gostaríamos de chegar, mas será bom olhar para trás e ver que alguns passos foram dados, que avançamos, que não permanecemos na estaca zero.

Autor(a): Enedina Sacramento, mãe de seis filhos, é professora de inglês na rede pública de Viçosa, MG, e tradutora.