Tempo, talento e tesouro

É possível criar uma rede de proteção à criança e ao adolescente em risco sem a igreja?

Não, porque a igreja é uma fonte insubstituível de recursos.

Os bens materiais são fruto de três fatores básicos:
O tempo que empregamos em atividades economicamente remuneradoras; o talento, ou seja, a nossa inteligência ou habilidade especial; o tesouro, ou seja, os recursos de que dispomos. O carro, a propriedade, o investimento financeiro de nossos pais em nossa formação ou o capital inicial de um negócio são exemplos desse tesouro.
Qual desses três fatores constituem dádivas de Deus para nós? Todos. É por isso que a instrução de Jesus é clara: “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8).

Todos temos e podemos doar um pouco do nosso tempo, do nosso talento ou do nosso tesouro
– Cada pessoa em uma comunidade de fé tem algo a doar: o trabalho especializado do dentista, do advogado; o tempo do adolescente ensinando futebol na creche, a costura da senhora aposentada; o carinho do estudante universitário ajudando a criança carente com suas tarefas, as laranjas do sítio, as madeiras que sobraram da obra, a contribuição em dinheiro.

– O empresário cristão tem uma tarefa a mais: levar a sua empresa a contribuir com o reino de Deus. No Antigo Testamento existia uma lei que não permitia aos empresários da época, ou seja, os fazendeiros, fazerem uma colheita minuciosa. Parte da produção devia ficar no campo para ser apanhada por órfãos, viúvas e estrangeiros. A empresa responsável descobre muitos meios de agir em parceria com a igreja e com as organizações de apoio ao necessitado.

– As igrejas podem emprestar suas instalações para abrigar uma variedade de atividades sociais: reuniões de grupos como o dos Alcoólicos Anônimos, cursos profissionalizantes durante a semana, uma creche. Podem também levantar a voz em favor do oprimido, assumindo assim o seu papel profético na sociedade.

O cristão não dá, ele devolve
Devolve porque tudo pertence a Deus: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1).

É próprio de Deus fazer isso conosco. É uma brincadeira pedagógica. Primeiro Ele nos dá porque é bondoso e gosta de dar. Mas Ele quer também nos ensinar o prazer que existe no ato de doar. Em Atos 20.35 Paulo disse: “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: mais bem-aventurado é dar que receber”.

Muitas vezes colocamos a mão no bolso temerosos, querendo proteger o que é nosso. Temos o direito de escolha: nos prender ao prazer passageiro de ter ou descobrir um outro prazer bem mais duradouro, que é o de dar. Esse ato torna a criatura mais semelhante ao Criador e Doador da vida.

È possível criar uma rede de proteção à criança e ao adolescente em risco sem a igreja?
Não, porque a igreja é capaz de transformar fruto finito em fruto eterno.

Terezinha e Daison são amigos até hoje. Pertencem à velha guarda que nos anos 80 organizaram a ação social da Igreja Presbiteriana de Viçosa, criando uma creche para crianças carentes. Certa ocasião foram visitar a Cida, que um mês antes havia recebido uma caixa enfeitada contendo roupas para o enxoval do bebê que teria. Embora usadas, as roupinhas estavam em ótimo estado. Terezinha e Daison entraram no barraco de pau-a-pique. Cida, de resguardo, não se sentia em condições de manter o ambiente limpo. Olhando ao redor, os dois visitantes constataram surpresos o destino que as roupas tiveram: estavam enfiadas nos buracos da parede onde o barro já se desprendera. Terezinha, querendo resgatar alguma peça para a criancinha, pediu que Cida trouxesse a caixa. Ao abri-la, se deparou com mais uma surpresa. O que salvou a situação foi o bom humor do Daison, que exclamou: “Que bonitinho, seis ratinhos, todos vestidinhos em cor-de-rosa!”

Se a pessoa não estiver interessada em mudança, de dentro para fora, nossas boas ações vão sempre acabar como aquelas lindas roupinhas — tapando buracos. Muitas pessoas usam histórias como a da Cida para justificar a não-ação: “Insistir com esse povo é ‘dar pérolas aos porcos’”. Querem crer que histórias como essa constituem a regra, e não a exceção. (Veja a história da Marisa, p. 3.) Precisamos lembrar sempre o quanto Deus insiste conosco.

Por outro lado, a nossa ação tem de conjugar a sensibilidade misericordiosa (ver a necessidade da pessoa) com o discernimento espiritual (chamar a pessoa a assumir a sua responsabilidade pessoal diante de Deus).

É nesse aspecto que a igreja tem uma grande tarefa que só ela pode realizar: transformar frutos finitos em frutos eternos. Ela precisa estar ativamente engajada em transformar o conflito em reconciliação, o ódio em amor, o desespero em esperança, o imediatismo em visão de longo alcance, incluindo uma visão do eterno, o abandono em aconchego com Deus, o medo em confiança, o perdido em salvo.

Por isso a igreja conta com três armas: a palavra, a intercessão e a ação em amor. Dessas três, a primeira tem sido usada extensivamente em detrimento das outras duas. Por essa razão a palavra de salvação torna-se palavra vazia ou palavra de julgamento, à semelhança dos famigerados fariseus que tanto se opuseram a Jesus.

De que forma a sua comunidade de fé acolhe as “Cidas” que ali buscam guarida? Quem intercede pela Cida? Que tipo de ação é feita para ajudá-la a desejar mudança — mudança milagrosa e integral, que a transforma inteira, de dentro para fora e de fora para dentro?